Georgia Novaes escreve, pesquisa, entrevista, comunica e é.

Como você começa o seu dia? Você tem algum ritual de preparação para o trabalho?
Começo meu dia com um café preto, de filtro, e um cigarro. Antes disso, mal consigo abrir os olhos. Infelizmente carrego esse vício de fumar comigo há anos já, mas nesse 2019 completo 30 anos e fiz um pacto comigo mesma de que pararei.
Meu ritual de preparação para o trabalho começa sempre um dia antes. É algo bem simples, mas que define quem sou: posso dizer que sou uma híbrida de online e analógico, mesmo sendo rotulada socialmente e em termos geracionais como Millennial. Por mais que acompanhei a ascensão tecnológica e tal, eu não abro mão da minha lapiseira e meus papéis, por exemplo. Eu não vivo sem a minha agenda e meus cadernos, e por mais que tenha a agenda do celular que apita com os compromissos, os warnings do Google Agenda e afins, não adianta, parece que se não escrevo meus afazeres, não os assimilo.
Sou viciada em papelaria, faço coleção de post its e tenho cadernos de todos os cantos que visito. Eu não funciono sem a minha lapiseira e meus papéis. No começo desse ano estive freelando numa empresa global de branding e planejamento de um dos maiores grupos de comunicação do mundo, o grupo WPP. A cada oportunidade que vivo sigo me adaptando às rotinas e processos dos clientes que atendo, e das minhas respectivas funções. Aquela frase do Caetano: adapte-se, camaleoa, é uma verdade universal do meu universo particular.
Até porque, como freelancer, as oportunidades são sempre caixinhas de surpresa, e ainda não consegui me encaixar em nenhuma caixa formalmente, se é que você me entende. Como digital planner, tomei conta de todos os pormenores de duas marcas nas redes sociais e no digital em geral. E por mais que tenha ~digital~ no nome do meu cargo, e em tudo que a gente faz hoje em dia, sem ticar com canetas coloridas as tarefas que já realizei, e sem meu planejamento diário de um dia antes escrito todo em grafite, não sou ninguém.
Como você organiza sua semana de trabalho? Que ferramentas você usa para se manter organizada?
Eu uso um calendário de papel em cima da minha mesa, minha agenda linda estampada de folhas nativas da Mata Atlântica Brasileira, e atualmente estou também com um caderno em tons de pink e azul marinho, e aí vem os adendos tecnológicos pra me auxiliar. Ah, antes, explico esses apegos estéticos pela beleza nos meus materiais: desde criança eu personalizava todas as minhas capas de livros, cadernos, agendas. Sempre fiz recortes, grudava meus adesivos, e coloria tudo que usava diariamente porque eu sempre senti que quanto mais eles me refletissem, me representassem, mais conectada à eles eu estaria.
Loucura? Talvez (kkk), mas vejo também como hábito e uma somatória de fatores. Meu virginianismo + ser filha de artista plástica e paisagista + meu gosto por customização + minha loucura por papéis (de maneira geral) seguem comigo até hoje. Quando eu vejo beleza, cores e meu próprio eu representado nas minhas coisas parece que elas ficam mais convidativas à serem preenchidas.
A agenda do próprio smartphone é também importante para que eu mantenha minha organização em dia, uso também os avisos do Google Agenda pra compromissos internos de trabalho. Já tentei usar o Trello, não me adaptei. O Evernote também tem facilities pra organização, mas, confesso que tive preguiça de desbravá-los. Gosto muito de um App que chama Slack, funciona muito bem pra trabalhos em equipe, tem funções que permitem criar grupos segmentados pelos temas que lhes forem convenientes, e a interface é bem intuitiva. Mas nada como um checklist no meu caderno, e itens ticados na minha agenda. Isso sim me ajuda.
Eu vou contar uma coisa aqui, que é mais uma parte da minha loucura, até porque hoje, no meu nível de consciência construído que evolui a cada minuto que vivo, eu vejo que a sociedade chama de “loucura” os manifestos, atitudes e comportamentos que não são compreensíveis a olho nu [apenas com o coração], não são socialmente aceitos, comuns, em suma, esquisitos. O estranhamento é tão significativo, e também chega a ser considerado loucura. Vai entender, né? Eu sou uma esquisita assumida, sou bipolar, ou como prefiro chamar: polipolar: dual, louca, ou chame do que quiser, porque vou continuar sendo quem eu sou.
Vejo que minhas loucuras me ajudam a sobreviver nesse mundo que cobra tanta sanidade (e hipocrisia, e mentira, e comportamentos robotizados dos humanos, e padrões, e rótulos… enfim, acho triste.). Só os meus muito íntimos conhecem essa minha metodologia.
Quando eu era criança criei uma “gavetinha” na minha cabeça. Ela servia como meu arquivo pessoal de vez em quando. Então, era assim: eu estava na aula, e sempre fui muito de prestar atenção no presente, nunca fui uma estudante que estudava estudaaaava muito em casa para provas e seus primos escolares. Ali, enquanto a professora explicava, meus ouvidos eram meu principal instrumento, e entre minhas anotações no caderno que circulavam todo o espaço da folha, não apenas as linhas, eu usava meus dedos ressignificando-os como uma caneta, digamos assim. Aí, eu começava a escrever simbolicamente na palma da minha mão. Era bem rápido, como se eu criasse um resumo mental de tudo ali. Aí, eu dobrava a folha imaginária, abria a gavetinha bem no centro da minha testa, e fechava. Pra finalizar, fechava os olhos. Esquisita né? Mas você perguntou sobre as ferramentas que uso para me manter organizada, e eu não pude deixar de lembrar essa singularidade minha. Hoje eu não faço mais isso, hahaha, mas sigo com meus ouvidos, mente aberta, agenda, caderno e lapiseira.
Como costuma ser o seu local de trabalho? E o que muda na sua rotina quando você viaja?
Eu sigo como freelancer há muitos anos. Primeiro, devido a muitos encontros e desencontros comigo mesma vividos nessa experiência terrena chamada vida. Segundo: sabemos que o mercado de trabalho aí fora nesse Brasilsão conturbado dos dias de hoje não tem se mostrado oportuno e justo quanto aos direitos trabalhistas e oportunidades de trabalho, em suma.
Cada um é cada um, obviamente, e eu me encontrei como freelancer pois é o que tá teno, no mais simples e puro português corriqueiro. É um eterno aprender com as oportunidades, e, além disso, é o que me resta hoje, talvez amanhã não, mas hoje é assim que sobrevivo, vivo, e sigo criando. Esse foi o jeito que encontrei de sobreviver até não encontrar uma oportunidade fixa. Essa “denominação” me permite oscilar entre trabalhos alocados e trabalhos remotos, e também é uma situação empregatícia, digamos assim, muito fértil quanto à multiplicidade dos temas.
Eles são totalmente diversos, transversais e únicos. Eu trabalho com pesquisa de mercado há 8 anos né, e olha: já fiz pesquisa desde depiladores, ao setor automobilístico, startups, psoríase e educação… por aí vai. É um universo muito plural, e juro, eu sou APAIXONADA por isso. Além disso, a monotonia de um único ambiente de trabalho, 9 horas por dia, 5 vezes por semana, e etc…ainda não me captou.
Eu tive poucas oportunidades fixas de trabalho, com CLT, e etc que me trouxessem além da segurança, o que considero como princípio mobilizador de vida: propósito. Queria? Sim. Quero? Muito, e sonho com isso. Quem sabe um dia. Enquanto isso me mantenho com uma disciplina muito séria entre meus clientes e parceiros, e isso é a única coisa que não muda quando eu viajo à trabalho. O resto? Muda tudo. Muda ambiente, mudam as pessoas, mudam os temas… mas a seriedade e meu tesão em fazer o que faço, não mudam nunca.
Em 2019 estive freelando sem parar, e além de pesquisa, eu escrevo. Como o mercado gosta de ler, traduzindo: sou content creator, ghost writer, entre outras denominações “bonitas” de se encaixar. Mas, na fala raiz, eu escrevo desde que me entendo por gente. Eu nasci pra fazer isso, pra traduzir momentos, para congelá-los, pra contar histórias, pra sintetizar meu contato com o universo em palavras. E eu ainda tenho muito que me encontrar nisso tudo.
Eu já trabalhei em uma das agências mais fortes do mundo, multinacional também, ultra moderna, com escritórios padronizados que seguem o layout da central em NY, com clientes gigantes e facilidades incríveis numa estrutura tecnológica e cheia de “mimos”. Mas não fui feliz lá dentro. A guerra de egos que rondava subliminarmente ao ambiente da agência me trazia pra baixo. Pessoas de pouca idade cujo sonho era ganhar prêmios da comunicação, gaiolas, leões de metal, coisas tão coisas além do tal reconhecimento…
Pessoas que me viam todos os dias, toda semana, e quando entravam no elevador comigo desviavam o olhar e nem ao menos davam um bom-dia. O ambiente era tóxico, as pessoas queriam apenas se destacar individualmente, não existia um apoio mútuo em equipe. Saí de lá numa situação deplorável, que não cabe nessa entrevista, mas eu ainda vou contar pro mundo todo. Se vão ler, ouvir, ver, não sei. Mas sinto que é parte da minha missão nessa vida, entende? É um diálogo no qual eu preciso ser uma das partes para uma abertura efetiva na sociedade: os burnouts, as depressões, as crises, transtornos mentais, enfim, essas noites escuras da alma que passamos pela vida.
Mudando de assunto, no começo desse ano eu fiz um dos freelas mais incríveis da minha vida: fui a Social Creator de um dos Blocos de Carnaval mais conhecidos de São Paulo, o Bloco Vou de Táxi. Meu ambiente de trabalho envolvia o meu caderno, minha lapiseira, minha agenda e meu smartphone: um escritório móvel em qualquer canto que eu estivesse. Ah, e o principal: muita malemolência vestida de criatividade. Trabalhava muito mais de 8 horas por dia, mas eu podia estar aonde eu quisesse. Bastava ter um Wi-Fi ou um sinal para meu 4G.
E é isso que eu acredito. Eu acredito que as pessoas produzem infinitamente mais se trabalharem em locais que as fazem bem. Infelizmente, isso é um retrato muito segmentado da realidade trabalhista do Brasil, mas já vemos sinais de certa forma, privilegiados, como eu, que acreditam que o mundo deveria ser nosso local de trabalho, produzindo, criando, ganhando dinheiro com a liberdade de escolha de ir e vir. Uma utopia? Ainda, sim. Mas jamais uma forma de mero conforto ou de “fazer nas coxas” como as pessoas julgam, ou como os indecisos Millennials são taxados, essas coisas. A inspiração não surge tão livre olhando pra uma parede em branco, bem no seu nariz, só se você for muito interiorizado ou foda, ou, sei lá, eu não entendo muito bem… Enfim, mais uma parte da minha loucura, se quiser, pode chamar assim.
Espero que isso se torne cada vez mais disseminado e valorizado. Acredito muito no modelo de homeoffice também, pois optar por trabalhar em casa e se livrar dos males enlouquecedores de São Paulo como o caos, o trânsito, e todo o estresse que isso acarreta, aliado ao comprometimento com o próprio trabalho, organização e produtividade trazem qualidade de vida aos seres humanos. O ciclo vicioso de frustração e falta de interesse acarreta problemas difíceis de lidar depois, como depressão, tristeza, infelicidade. Quando a humanidade por inteira perceber que trabalho e prazer precisam andar de mãos dadas ao comprometimento e entrega, o sistema vai ter uma melhora inenarrável. E eu quero estar viva pra dizer lá no final: tá vendo? Eu fui uma das que defendi, provei e avisei.
Como você se organiza ao dar início a um novo projeto? Você planeja tudo antes ou apenas deixa fluir?
Acho que nem um, nem outro, mas ambos. Nada é uma coisa só. Os orientais usam uma frase muito transformadora: tudo é impermanente. Quando você entra num projeto novo, por mais que você seja ultra-detalhista e super-antecipadora de tudo, meu caro, sempre há algo que foge do seu controle. Seja ele um evento, uma pesquisa, um texto, um artigo, um vídeo, um workshop, ou um projeto de vida, e por aí vai.
Eu acredito que o planejamento prévio é essencial, ainda mais pra mim, que gosto de conhecer o terreno que vou semear o fruto do meu trabalho. Então, uma coisa que me ajuda muito é sempre pesquisar sobre o cliente, tema, desafios, teorias que sirvam de alicerce para a construção desse novo.
O ser humano, principalmente nós, brasileiros, temos dentro dos nossos potinhos de virtudes a capacidade extraordinária de adaptação e jogo de cintura. O tal “jeitinho brasileiro” sabe? Ele é usurpado e trazido ao contexto de picaretismo, mas isso não me representa. Somos um povo com uma capacidade extremamente singular de dar um jeito para tudo, com uma criatividade infindável e muita garra, e eu gosto de usar essa expressão para o campo do bem, e não da outra forma. Durante um projeto, as coisas que vão se desdobrando fazem com que nós tenhamos que nos adaptar, e, a todo o momento, o tal jeitinho tem que ser ativado.
O novo é sempre carregado de novo a todo instante, então, deixar fluir é parte inerente do processo, até porque muitas vezes o inimaginável e o que não foi previsto acabam nos surpreendendo mais e trazendo insights que não foram mapeados anteriormente. E ainda bem que isso acontece, é no novo que a gente vê frutos nascerem e crescerem livres, e de repente: bum, você está num processo interminável de aprendizado.
Então, eu diria que é um híbrido dos dois: se preparar, preparar o terreno, se embasar de teorias e visões de mundo, pesquisar sobre o segmento, analisar dados secundários, exercer um trabalho com fontes primárias de informação (ou seja, entrevistar pessoas, falar com seres humanos, ouvir histórias, captar nas palavras não ditas significados ainda maiores do que as palavras faladas) e claro, deixar com que o novo surja. Se adaptar e extrair dele o melhor para o resultado final do inusitado com o planejado. É como a vida!
Quais são seus maiores ladrões de tempo e como você lida com eles?
Eles não vêm no plural: o meu maior ladrão de tempo sou eu mesma. Eu sinto que jamais colocaria essa desculpa no tempo, por exemplo: ah, porque o tempo tá passando muito rápido hoje em dia, e que não sei o que, e que não sei que lá. Não.
Evoluir nessa vida implica em saber que você é responsável por tudo que faz, e deixa de fazer. São as suas escolhas que devem ser conscientes para que você use o tempo a seu favor, ou contra você. Meu celular tá aqui, sempre do meu lado, e ele é um inimigo se eu não souber que quem tem o poder de me controlar sou eu mesma, e não ele.
Então: meu Spotify, os infindos WhatsApps, notificações mil dos meus apps, as redes sociais, meus podcasts, minhas séries no Netflix, meus games etc, tão sempre falando: vem, vem e vem. Sou eu que tenho que dosar a quantidade de usufruto disso, entende? Se você estabelece as suas prioridades, sabendo as datas de entrega, as entregas que terão que ser feitas ao longo dos dias e etc, aí não tem como botar a culpa no tempo se você não entregou, não é mesmo? Os meus livros parecem ter vida de vez em quando, parece que chego a ouvi-los falar comigo, me convidando para mergulhar neles. Mas eu sei que naquela hora, não dá.
Os verdadeiros ladrões do meu tempo, no plural, são seres que despertam em mim um amor maior que eu mesma: e eles sim, são difíceis de abdicar, e são os ladrões que eu mais amo nessa vida. Minha família, minha louvável mãe, minha sobrinha, minhas irmãs, minha vovó, minha Cora Coração Coralina (melhor amiga e cão), minhas amigas, meu melhor amigo Dudu, minhas plantas, minhas velas, meus incensos, enfim… tudo que dá sentido à vida. Isso sim confunde meu relógio porque são os únicos que o fazem parar.
Saber dosar é o remédio. Doses homeopáticas de tudo são boas unidades de medida para que você distribua bem o tempo. O meu trabalho também meio que é o meu lazer, e querendo ou não sou eu mesma que tenho que dizer pra mim: Georgia presta atenção, faz 5 horas que você está nessa análise, levanta, acaba por hoje e continue amanhã. Ninguém além de você mesmo vai saber a linha tênue dos limites internos versus o correr do tempo. Saber administrar o que amo implica em ter a consciência sobre você mesma, para que nada lhe atrapalhe a vida ou lhe impeça de viver. Equilíbrio, basicamente.
Como você lida com bloqueios criativos como o perfeccionismo, a ansiedade e o medo de não corresponder às expectativas?
Olha, eu acho que isso não é nem bloqueio criativo, mas karma… Eu não conheço ninguém tão perfeccionista como eu, e não é nada bom admitir isso. Faço terapia há 8 anos, e eu trato isso em terapia há 8 anos porque circunda todos os espectros da minha vida. O perfeccionismo é um transverso da falta de confiança em si mesmo, carrega na mochila do seu constructo também o medo de não corresponder às expectativas, ansiedade, e seus afins, eu vejo assim.
Eu luto dia a dia com isso, porque pra mim nunca tá bom, sempre poderia estar melhor, e etc. Eu confesso que uma coisa que me ajuda muito com isso é fazer um exercício de auto-amor: eu me esforcei, eu fiz tudo o que eu pude, e está bom assim. Eu sempre fui atrás do perfeito, do ótimo, e a partir do momento que conheci a expressão “suficientemente bom” foi quase como uma relação de ódio ao amor.
Inicialmente, eu pensava coisas do tipo: magina? Eu? Entregar algo suficientemente bom? Jamais, não trabalhamos com mediocridade por aqui. Mas, com o tempo, com muita análise, e principalmente com muita vivência e experiências pelo caminho eu fui identificando que essa régua expressa em frase te faz sentir em paz com você mesma.
Uma coisa que, talvez, seja a pior auto sabotagem para todos esses fatores que você citou acima e que a gente se assassina todos os dias é o ato de se comparar com os outros. O nível de auto-menosprezo que isso implica afunda qualquer caboclo com seus devidos pés no chão. É claro que, se inspirar na arte e criação alheia só lhe engrandecem, mas comparações com o tempo de vida daquele outro ser é até sadomaso.
“Ah, mas fulano tá com dinheiro investido, tem ap próprio, já virou CEO, e etc…” e eu sigo como freela, que grande merda. Olha, a conjuntura das vidas é algo tão particular, que eu ouso dizer que o mesmo tempo que corre pra você, não corre pra mim. Cada um sabe a dor e delícia de ser o que é, cada um tem sua trajetória, cada um teve seus encontros e desencontros, cada um teve seus momentos de ruptura e escuro pelo caminho, seus ganhos, suas perdas, sua vida. O tempo, pra mim, é tão relativo depois de tudo que vivi que eu sinto isso na pele. Pulsa em mim essa condição de ser única, respeitar isso, digerir isso, e continuar vivendo e valorizar isso tudo.
Eu também passei a ver o erro como ferramenta. O erro é aprendizado. Isso diminuiu muito essa tal ansiedade. O erro ensina muito mais que o acerto. Os erros que a gente comete nos ensinam a aprimorar nosso faro, nosso tato, nossas sensações, nossa maneira de viver e encarar a vida.
Eu trabalho também com o ecossistema das startups em SP, né, estou sempre escrevendo sobre, traduzindo, criando artigos e etc… e você sabia que elxs têm uns encontros, quase que sessões de descarrego chamadas Shit Day, ou Startups Fucking Days, ou whatever? Sim, existem encontros para falar apenas sobre os erros dos empreendedores, e no final das contas, gera uma lista muito rica de aprendizados. Pra mim, errar não é somente humano, é imprescindível e inevitável.
Além desse método de extrair aprendizados dos erros, tem uma ferramenta poderosíssima pra lidar com tudo isso também, e com a vida toda: a intuição. Sim, ela mesma, aquela voz que tem dentro de você. Quando você a nega ou quando você finge que não escuta, ela vai lá e com os depois da vida ESCANCARA na sua face que você deveria tê-la ouvido.
A intuição é a manifestação da numinosidade dentro da gente, e, num exemplo bem chulo, quando você não consegue explicar porque prefere o caminho x do que o y, ouça o que ela fala. Isso é se escutar. Isso é estar em consonância com você mesma, se dar as mãos e se fazer de abrigo, manter vivo seus ancestrais, seu passado, seus aprendizados. Dessa maneira eu estimulo a minha auto-confiança, e eu juro que isso funciona muito. É aquela velha e conhecida história: se você não se valorizar, ninguém vai. Se você não quiser se ajudar, ninguém vai poder te ajudar.
Comece se ouvindo, sendo amiga de você mesma, se abraçando, se recebendo na sua casa-ser quando as coisas não estão bem, e principalmente, buscando entender as suas expectativas, não a dos outros. Você vai ver como as coisas começam a entrar em sintonia.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
De tudo, absolutamente tudo que me cerca ou é distante de mim dentro da experiência humana. Se as ideias são frutos do cérebro, a raiz delas é o coração. Tudo pra mim pode ser ideia, e elas podem vir de tudo que vejo, não-vejo, ouço, sinto, me arrepio, tateio, convivo, excluo, insisto, desisto, estranho, me identifico.
Minha sobrinha uma vez disse uma frase que eu nunca tinha ouvido: “que daza, tia Ge”. Eu intuí que daza seria uma supressão de “da hora”, mas pedi pra ela me explicar. Ela disse: derrrr, tia Ge, daza é daza, ué, uma coisa legal, coisa que a gente fala.” E eu amei aquilo e guardei dentro da minha gavetinha cerebral imaginária. Um dia, numa aula de planejamento de um curso incrível que fiz, o Bootcamp de Planejamento na Miami Ad School (agradecimentos eternos à Marcia Aguirre que me permitiu essa experiência) a gente precisava criar um projeto pra pré adolescentes. E bum: voilà, achei o antro da minha criação naquela frase que minha sobrinha falou, e foi lindo!
Eu não fico presa a estéticas definidas, ou linhas de raciocínios hipsters da atualidade, ou palavras bonitas em inglês que o mercado adora, ou à grandes nomes da comunicação, ou seja lá o que for. Meu processo criativo é uma somatória intangível de tudo que eu vivi, e até o que eu não vivi ainda. Pra cultivar a criatividade é preciso uma coisa: se manter vivo.
Vivo na intensidade de aprender com os sentidos, vivo pra ver uma ideia morrer todos os dias e, no dia seguinte, estar vivo pra recriar uma nova. Vivo pra estar com os seus 6 sentidos bem ligados, ou os que lhe estiverem disponíveis, aproveitá-los ao máximo. O corpo humano por inteiro é tão sábio que os sentidos não disponíveis são substituídos pelo aguçamento dos demais, olha isso, que transcendental!
Ler muito, brincar muito, conversar muito, trocar muito, errar muito, sorrir muito, chorar muito, viver muito, morrer muito, tudo isso traz criação às nossas raízes para que a mente possa voar. Um papel jogado no chão, uma pessoa passando por você falando ao telefone, uma criança brincando com algo atravessando a rua, um pássaro cruzando seu caminho, uma folha que cai justamente naquele lugar, as capas de livros em frente à livraria que cruzou o seu caminho, um habitante de rua com sua casinha e rotina, um pop-up naquele site que você estava navegando, um fundo de cena que você não prestou atenção ao ver um filme, uma música de um estilo que você detesta tocando no Uber, o pulo das pessoas com o movimento do ônibus, seu copo que quebrou naquele happy-hour, as cores do céu naquele entardecer… tudo, e nada, é inspiração.
Que livro você mais tem recomendado para outras pessoas? O que você considera inspirador ler ou aprender sem que lhe peçam ou esperem isso de você?
Há, essa é uma pergunta que eu ouvi um dia desses, de um empreendedor de sucesso, um senhor dono de um grupo de comunicação, deve ter muito dinheiro, poder, bom pra ele. E foi durante uma conversa intimidadora, quase como se ele estivesse me entrevistando ali, no que deveria ser uma conversa informal de apresentação inicial. Mas, sabe como é: qualquer oportunidade é oportunidade. Foi quando eu falei um pouco de mim, e ele me perguntou: “o que você lê”?
Eu, prontamente, respondi: olha, eu leio muito, de tudo um pouco, mas no momento mesmo o que estou lendo é um dos melhores livros que já li na vida: Mulheres Que Correm Com Lobos”. Aí, ele foi incisivo e até grosseiro, dizendo: “não, não isso, eu estou perguntando o que você lê pra se informar, pra saber, sobre empreendedorismo e startups?”
Aí, após um segundo de respiro, eu disse a ele: “então, quando eu leio, crio um momento de abstração interna, eu busco leituras que não sejam enfáticas ou específicas, entende? Pra entender sobre empreendedorismo eu não preciso consultar fontes secundárias de informação, eu gosto mesmo é de olho no olho, diálogo, a tal da fonte primária. Eu falo com empreendedores, eu vivo isso de alguma maneira. Portanto, minhas leituras são o que escolho pra me distanciar do meu próprio mundo, porque jornal, email-mkts, sites de informação e afins já estão no meu cotidiano. Eu leio pra viajar no mesmo lugar em que me encontro, é isso.”
Olha, se você visse a cara do senhor na hora que eu disse isso, risos, foi uma expressão de: acho que nunca mais ele vai querer falar comigo. Mas, antes isso, do que morrer sufocada com as palavras que eu não disse. Eu não sei quem é a autora, ou autor dessa frase, mas ela faz MUITO sentido pra mim. E vida que segue, meu bem.
Seja fiel à você mesma, sério. Faça um exercício diário de não se deixar intimidar por olhares, energias, ou movimentos diminutos. Essa é a verdade, entende? Eu sou verdade, e eu falo e leio e faço o que eu quiser que me traduzam, me signifiquem. Os assuntos que tangem sua profissão não precisam estar nas suas leituras de lazer também, não fique bitolada com isso porque, senão, você não desenvolve outros âmbitos. Eu indico para todas as mulheres, e homens, esse livro.
A obra Mulheres Que Correm Com Lobos se tornou minha bíblia, e eu juro pela Deusa que parece que Clarissa fala comigo a cada parágrafo. Mas não se apresse: esse livro não merece pressa, ele vem para você quando você está prontx pra ler. E já ouvi mulheres muito sábias dizendo que a cada fase da vida o livro fala com você de uma maneira. Isso é muito genial, e enquanto eu estou escrevendo isso estou arrepiada.
Inspirador é ler coisas que te mobilizem como ser-humanx, isso é inspirador, não só como o seu eu profissional. Se ler gibi te inspira, leia! Se ler a Bíblia te inspira, leia! Se ler panfletos entregues nos semáforos te inspira, leia! Leia tudo, tudo, até mesmo o que não está escrito. As entrelinhas falam, o silêncio ensina, as palavras caladas têm muito a dizer.
Se mantenha informado seguindo pessoas na internet que estejam em sintonia com os seus valores, seu coração. Não apenas leia, mas sinta o verdadeiro significado da frase de Saint-Éxupery: “o essencial é invisível aos olhos”.Procure seguir referências não só gringas, mas principalmente brasileiras, a riqueza do nosso povo é interminável fonte de inspiração. Os sotaques, os dialetos, as gírias, os erros de português: nossa, como eu amo a genialidade, honestidade e até inocência dos erros gramaticais e falados, principalmente. Ah, e não opte apenas pelas pessoas em ascensão. Vidas, todas elas, são frutos inspiracionais. Pessoas que você nem gosta muito também te ensinam. Tudo ensina. Saia da sua zona de conforto, de conhecimento, de entendimento.
Que conselho você queria ter ouvido no início de sua carreira? Com o que sabe hoje, se tivesse que começar novamente, o que você faria diferente?
“Mantenha-se fiel ao seu coração, pés no chão, sonhe alto, mas não delire, saiba se encaixar e manter suas personagens, mas, siga você mesma.”
Eu talvez ouvi isso, não dessa maneira, mas ouvi. E demorou muuuuito tempo pra que eu assimilasse isso como acontece hoje. Essa frase acima diz muito sobre o que aprendi e sigo aprendendo até hoje, e por mais abrangente que ela pareça ser, é simples: você é seu templo, e próprio tempo, se respeite e siga aprendendo para não ter a sensação de perdê-lo ao viver tudo em vão.
Eu não começaria de novo, sabia? Eu nem consigo imaginar esse panorama. Acho que essa projeção nem existe, na realidade. A vida aqui na Terra é única, ou não, mas cada uma é. Então tudo, absolutamente tudo que eu vivi, até aqui, era para ter acontecido. Do exato jeitinho que aconteceu.
A gente não cruza uma esquina se não é pra cruzar, uma folha não cai de uma árvore se não é pra cair naquela hora, naquele minuto, naquele momento, naquele lugar. E ainda há tempo. Sempre há tempo enquanto você está vivo, e você só percebe isso quando está perto da morte, mesmo que na imaginação. Em algum momento eu sei que grande parte dos meros mortais pensa em morrer, tenta morrer, que consegue ou não e acha que isso vai ser solução. E realmente é. Mas na hora que tem que ser. Eu vejo a morte como recomeço: é assim na natureza, é assim com a gente.
Eu não acho que essa vida aqui é vida, no mais eterno sentido dela, sabe, não sei explicar, mas li uma frase um dia muito sensível a isso: talvez esse planeta é o inferno de outro. Pensa, faz sentido. No final das contas que não são contas, são verdades: a gente tá aqui para aprender. Evoluir. E você só entende que a resposta pros seus erros e escolhas está dentro de você quando experiência isso no corpo, e na alma.
Minha entrevista até aqui sinto que reflete muito a principal característica minha: a humanidade. Tudo que eu falei até agora sou eu, humana, Georgia, nua e viva, fiel à minhas unhas e dentes e espírito, que acerta, que erra, que tenta, que tenta de novo, que cai, que levanta, que tem cabeça, pés, coração, corpo e alma. A vida é mais que sins e nãos, que isso ou aquilo, que tudo e que nada. A vida é mais que anúncios de emprego negados no LinkedIn, que livros, que esporros da vida, que maldade, que dificuldade, que tanta discrepância e desigualdade… tem que ter um sentido para tudo isso, então, eu não começaria de novo porque já percorri parte do caminho e sei que a cada dia que passa eu trilho novos, planto outras sementes, e acabo colhendo frutos de onde nem sei que plantei. Um sorriso que você dá para uma pessoa do outro lado da rua pode mudar o dia dela. E de repente, a vida dela. Tudo está conectado, isso é tão significativo pra mim, claro. Minha vida já foi mudada infinitas vezes e eu acho que é isso, a vida é uma eterna transformação. Não tem como fazer diferente o que passou, e sim, o que está sendo para o que será. Fim.
O que você talvez faria se não tivesse seguido sua carreira atual? Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou?
Eu não fazia a menor ideia do que fazer quando tive que decidir, há mais de 12 anos atrás, e por sinal eu acho esse sistema dilacerador para com a multiplicidade das pessoas. Tem gente que sabe o que quer, mas e as que não, como eu? Ouçam o que a sua voz lá de dentro chamada intuição, diz. Conselho de uma simples humana, louca, viva, eu!
Por anos eu me senti muito mal de ser chamada de “publicitária” porque isso não é o que eu sou, e tá anos luz longe de ser. Aí, com o passar do tempo eu entendi que eu fiz o que eu sou: Comunicação Social. Aí sim, a ação de se comunicar com o outro. Aí sim eu me vi ali. É essa a minha vocação, socialização, comunicação: a ação de comunicar-se com os outros, e com o mundo. Eu continuo não fazendo ideia do que faria se não fosse isso, eu nunca consegui me encaixar nesses rótulos profissionais.
Sabe como eu escolhi? Foi mais ou menos assim: humanas, exatas e biológicas, né? Bom, exatas de jeito nenhum, eu não sabia até então como passei em física e matemática, e não sei até hoje. Biológicas? Só se eu quiser morrer, eu não consigo lidar com sangue e vidas que não sejam as minhas próprias, minha filha, você não consegue nem assistir filme de cachorro que você chora! Aí, pronto: só pode ser humanas. Humanas, hm, isso eu gosto, seres humanxs. Aí, foi por exclusão, até ver que a tal Comunicação Social me representava mais. Foi assim, e eis me aqui, eu, me descobrindo a cada experiência.
Quero muito escrever livros, mas ainda não tive coragem de começar mesmo escrevendo muito, aleatoriamente, por aí. Vejo uma trajetória minha virando filme, há tempos, é um enredo de vida e morte e muitos sinais da natureza no meio, coisa de louca (mais uma vez 🙂 e de filme mesmo. Mas isso sim vai me requerer muita coragem pra abrir ao mundo, por enquanto, só sonho. Meu sonho mesmo? Ser apresentadora. Ter um canal, ter um programa, ser ouvidos de histórias particulares e ferramenta para levá-las ao público, ter alguma possibilidade de que minhas palavras e vivências ultrapassem os meus limites, e atinjam as pessoas que têm que atingir. Sair do âmbito de dentro do meu coração, e tocar outros com a arte de comunicar ação. Como? Não sei. Mas acredito na força das palavras que com o vento nunca mais voltam a ser palavras pessoais apenas, e na sincronicidade do Universo aliado ao esforço que faço todos os dias, e que tenho muito mais a fazer. Quem sabe, um dia. Hoje, eu sigo eu, inteira.