Polliana Zocche é caseira d’o lugar, doutora em Ecologia pela UNICAMP e editora do projeto Cultivando Consciência Ecológica.
Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
Tudo depende. Depende do quanto dormi, do meu ânimo, do que quero fazer, do que tenho para fazer, do que estou me propondo a inserir no cotidiano. Já testei muitas rotinas, das mais quadradas que envolvem acordar e dormir no mesmo horário e me forçar a entrar em uma rotina de atividades constante, até as mais soltas onde não coloco nem um despertador para tocar e vou seguindo de acordo com o que meu corpo pede. Sei que não são todas as pessoas que têm essa flexibilidade, mas quem pode se dar este luxo, é importante olhar para isso porque estamos acostumados a seguir sem refletir sobre o que fazemos. Depois estouramos em doenças e não sabemos o porquê.
Como você administra o seu tempo? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Não vejo pela ótica da administração. Também não busco ver quais são minhas preferências. O que busco é me adaptar ao que aparece. Se tem apenas um foco pra tocar, ok, se são vários, ok também. Depende da complexidade de cada um, alguns são mais difíceis de manter em conjunto com outros e então deixo esses projetos em aberto e sigo com o que é mais urgente ou que me motiva mais. Mas costumo sim tocar várias coisas em paralelo durante o dia. Não tenho foco de ficar em apenas uma atividade sem dispersar, então deixo várias atividades abertas e vou migrando entre elas e avançando um pouco em cada. Agora se é algo muito complexo que exige atenção profunda, fecho tudo (abas no navegador, notificações no celular, a porta do quarto) e só fico com ela.
Como é sua relação com a tecnologia? O e-mail tem interrompido sua vida produtiva? Que ferramentas você usa para se manter organizada?
Vivo muito conectada, meu trabalho é online e trabalho de casa. Gosto muito das facilidades que a tecnologia nos traz e busco aproveitar o máximo possível. Mas algumas vezes vejo que estou passando muito tempo no computador ou no celular e que preciso deixá-los de lado.
Não tenho muito problema com e-mails. Por enquanto recebo e-mails em um fluxo que consigo responder e deixar a caixa de entrada vazia. Não gosto de deixar as pessoas esperando resposta.
Já testei muitas ferramentas para me organizar, muitas delas sugeridas com uma visão que busca aumentar a produtividade e eu acabava entrando nesta forma de ver as coisas e me frustrava muito por não conseguir me organizar, atingir metas, objetivos. Usei pomodoro, focus booster, até tentei monitorar para onde minha atenção escoava com o rescue time, mas nada que opera na base do controle funciona para mim.
Meu ritmo começou a fluir muito melhor quando passei a usar ferramentas para suporte, apoio. Hoje tenho utilizado o google calendar e cadernos de anotações para datas e recordatórios do que preciso fazer logo (que uso como uma forma de lembrança, não de cobrança). Guardo muita informação para usar depois e no momento elas estão espalhadas no pocket, pastas nos favoritos, google docs, drive, dropbox, evernote, scrivener, blocos de notas, arquivos no computador… Até há pouco tempo funcionou bem dessa forma, mas vejo que preciso concentrar nas ferramentas que mais deram certo.
Como costuma ser o seu local de trabalho? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para trabalhar?
Vou me adaptando da forma que dá, dependendo de onde estou. Nunca morei em um lugar que tivesse um escritório separado só para isso, então fico no quarto onde tenho uma escrivaninha ou sentada na cama com o computador sobre um apoio para o notebook ou na sala, na mesa ou no sofá (geralmente acompanhada pelos gatos). Nada que ficaria muito bonito em uma revista, rs. Mas está chegando em um ponto que preciso olhar mais para isso, cuidar do corpo que está pedindo um ambiente confortável. Durante o mestrado e o doutorado dividia salas e laboratórios com colegas e muitas vezes era difícil concentrar porque surgiam conversas ou discussões interessantes a todo momento e assim era difícil focar. Então não precisa ser um ambiente extremamente silencioso, mas, sim, que o nível de distração não seja muito grande.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
O conceito de criatividade é um pouco nebuloso para mim. Tem horas que acho que sou super criativa, outras que sou monótona demais. Como para qualquer pessoa, vejo ideias em tudo, elas brotam de todos os lugares, experiências, emoções, pensamentos. A criatividade está associada ao relaxamento então as ideias surgem enquanto tomo banho, caminho, estou em uma atividade em ambiente aberto, assistindo vídeos, lendo algo. Aí vou conectando os pontos, criando relações mentalmente. O que é um pouco difícil ainda é jogar isso para fora de mim de uma forma compreensível. Meu raciocínio é difuso e confuso de ser explicado.
Acho que os hábitos que mantêm uma mente criativa são a curiosidade e o interesse, então cultivo esse olhar em tudo o que faço.
Como você lida com bloqueios criativos, como o perfeccionismo, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Não lido, eu sofro. (risos) Esses pontos são os que mais tenho olhado de perto nos últimos dez anos. O perfeccionismo, medos, expectativas, ansiedades já me fizeram muito mal psicologicamente e fisicamente. Quando escrevi meu TCC não conseguia nem comer direito, tive gastrite, passei mal muito tempo, mas terminei (com uma escrita horrorosa, por sinal). No mestrado, o mesmo processo só que em um nível menor, fui aprendendo a olhar para o que estava por trás desse perfeccionismo, dos medos, das minhas expectativas. Em geral eu atinjo as expectativas dos outros, raramente as minhas. E é algo que, pelo que tenho conversado com as pessoas, é muito frequente, já naturalizado, mas que não deveria ser normal. No período do doutorado e agora nos projetos em que coloco meu tempo e energia, olho mais diretamente para estes bloqueios e busco acolhê-los com autocompaixão e menos autocrítica – meu padrão por muito tempo. Não é fácil mudar esse olhar, isso exige atenção, cuidado, paciência, equilíbrio interno (que muitas vezes não tenho).
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? Que conselhos sobre produtividade não funcionaram para você?
Para mim, todas as técnicas e receitas de bolo para lidar com a procrastinação falharam com louvor. O que me ajuda é entender como a mente funciona, por quê a gente procrastina, o que estou querendo evitar quando procrastino. À partir daí é que vou entender meu processo e o que preciso olhar internamente para fazer o que tem que ser feito. Então sempre que encontro algo com dicas para lidar melhor com a procrastinação, ter mais foco para produzir mais vejo que não servirá muito para mim. Identifico nestes conselhos uma mensagem sutil de que nosso ritmo está errado, que nunca fazemos o suficiente, no tempo suficiente, com a qualidade suficiente. Não sou máquina para produzir mais em menos tempo.
Qual é o livro que mais mudou a sua vida e por quê? O que você considera inspirador ler ou aprender sem que lhe peçam ou esperem isso de você?
Uma vida é muita coisa para ser mudada por um único livro. Alguns livros nos tocam em um momento específico, mas depois perde o sentido recomendá-los. Alguns dos livros que li e me tocaram de alguma forma e que ainda lembro para recomendar são estes: Sobre a arte de viver, Roman Krznaric; Sociedade do Cansaço, Byung-Chul Han; De Pernas Pro Ar: a escola do mundo ao avesso, Eduardo Galeano; O Caminho da habilidade, Tarthang Tulku; Mandala do Lótus, Lama Padma Samten; A revolução dos bichos, George Orwell; O direito ao desemprego criador: a decadência da idade profissional, Ivan Illich; Teia da vida, Fritjof Capra; Inteligência Emocional e Inteligência Ecológica, Daniel Goleman, Felicidade: a prática do bem estar, Matthieu Ricard; As prisões, Alex Castro (que ainda não saiu, mas acompanho o processo de lapidação pela internet).
Nos últimos anos tenho me interessado em ler e aprender sobre a raiz dos nossos enganos, por quê continuamos com os mesmos problemas, geração após geração, durante séculos, milênios. Aceitamos o que vem como realidade muito fácil. Podemos experimentar fazer diferente. É inspirador ver que os caminhos estão descritos há muito tempo, de forma muito detalhada e podemos testá-los, experimentá-los e aprender a cultivar qualidades que nos levam além da forma usual que nos relacionamos, empregamos nosso tempo e energia, vivemos a vida.
Que conselho você queria ter ouvido aos vinte anos? Com o que você sabe hoje, se tivesse que começar novamente, o que você faria de diferente?
Pode ser que eu até tenha ouvido esse conselho, mas não prestei atenção. Gostaria de ter ouvido que é possível olhar como a mente opera, investigar o mundo interno e quais são as causas da nossa felicidade.
Procuro não pensar no que eu faria diferente no passado porque é uma situação hipotética que geralmente cria frustração, mas o que eu posso fazer diferente agora sim é buscar não ser arrastada pelos impulsos, pelo que penso, pelo que pensam. Desenvolver mais autonomia e lucidez em minhas escolhas. Isso poupa bastante sofrimento desnecessário.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Tenho uma lista de projetos e sonhos que estão em gestação, algumas mais longas do que eu gostaria. Muito do que fiz envolveu a biologia e ecologia no ambiente universitário e, agora, meu tempo e energia estão focados em projetos que jogam luz na forma como os seres humanos se relacionam com o meio ambiente, como podemos viver de forma mais integrada, consciente, responsável e respeitosa com o local onde vivemos. Estou explorando isso em projeto que chamo Cultivando Consciência Ecológica, por meio de rodas de conversa, grupos de estudo, discussões com pessoas interessadas nestes temas e em como promover esta conscientização.
Outros envolvem abrir espaços para conversar abertamente nas universidades sobre o que estamos buscando enquanto fazemos ciência e também sobre o que pode ser feito fora da academia.
Sobre o livro: “Tudo está dito, falta a aposta”, Luis Borges.
O livro que eu gostaria de ler é o que sonho um dia escrever. Não que ache que terá algo que ainda não foi dito, mas porque quero ser capaz de passar pelo processo de escrevê-lo. Acho que se eu chegar a escrever um livro é porque consegui ultrapassar minhas próprias barreiras e isso seria um ótimo avanço.