Fê Carvalho Leite é sócia e analista cultural da LUPA – Códigos Culturais.

Como você começa o seu dia? Você tem uma rotina matinal?
O meu trabalho não me permite ter rotina. Normalmente, ou estou em campo ou em período de análise, escrevendo sobre as entrevistas que fiz e as vivências que tive durante um projeto. Nos períodos de campo, passo a maior parte do tempo na casa de pessoas ou em ambientes que sejam conectados aos meus objetivos de pesquisa. Impossível ter uma organização clara – normalmente acordo pouco antes da primeira entrevista agendada e me permito viver os dias considerando as surpresas que todo o campo traz. Nos períodos de análise, passo a maior parte do tempo em casa. Gosto dessas épocas por conseguir me organizar melhor – acordo cedo, faço algum exercício, preparo o café da manhã e só ligo o computador com uma xícara de café ao lado.
Como você administra o seu tempo? Você prefere ter vários projetos acontecendo ao mesmo tempo?
Eu não gosto de ter mais do que dois projetos simultâneos porque procuro me dedicar bastante a cada um deles, seguindo uma lógica quase artesanal de produção. Independente do time que me acompanhe em cada um dos trabalhos, gosto de viver o campo, acompanhar as entrevistas para produzir conteúdo com mais propriedade. Acredito que a vivência seja fundamental. Acontece, porém, de algum cronograma atrasar ou um pico inesperado de trabalho acontecer e eu me envolvo em três ou mais projetos. São épocas de muito foco e entrega. Mas, sendo sincera, eu também gosto desse frio na barriga.
Como é sua relação com a tecnologia? O e-mail tem interrompido sua vida produtiva? Que ferramentas você usa para se manter organizada?
Eu vivo a dualidade de quem nasceu na década de oitenta e vivenciou a transição do mundo analógico para o digital: sou completamente dependente do celular – e-mail, whatsapp e redes sociais são, para mim, também ferramentas de trabalho, ao mesmo tempo em que me organizo muito melhor no papel. Apesar de estudar os impactos da tecnologia em vários segmentos, não abro mão da minha agenda. Eu gostaria de reduzir a minha conexão por questões pessoais, mas não vejo como uma interferência no meu trabalho. Lido bem com prazos e metas.
Como costuma ser o seu local de trabalho? Você precisa de silêncio e um ambiente em particular para trabalhar?
Ou estou na rua pesquisando, ou escrevendo home-office. Gosto da conveniência de trabalhar em casa e organizar o meu horário, mas, dependendo da época, sinto a necessidade de dividir um espaço com mais pessoas até como uma forma de me concentrar melhor. Nesses momentos procuro cafés e coworkings. Não associo a distração à barulho ou interferências externas, às vezes é muito simples se distrair sozinho.
De onde vêm suas ideias? Há um conjunto de hábitos que você cultiva para se manter criativa?
Associo muito a criatividade à multidisciplinariedade. Gosto de me informar sobre muitas áreas e estudar temas bastante distintos. Sempre procuro cursos sobre assuntos que eu não domino e dessa forma já estudei de realidade virtual à biomimética. Dessa mistura toda surgem os insights. Além disso, considero importantíssimo ter uma vida cultural ativa e realmente se conectar às cidades para entender a pluralidade que existe no território: procuro ir ao teatro, às rodas de rima, às festas de rua. Também, alimento um lado artístico e cuido para que os compromissos não se sobreponham a ele: faço aula de dança, já fiz teatro, quero fazer pintura. Acredito que tudo isso contribua para o meu trabalho como pesquisadora.
Como você lida com bloqueios criativos, como o perfeccionismo, o medo de não corresponder às expectativas e a ansiedade de trabalhar em projetos longos?
Acredito que os bloqueios e medos associados a eles sejam inevitáveis. Sempre fico nervosa antes de uma palestra maior, sempre me questiono se fui suficientemente boa na entrega, mas, com os anos, aprendi a relaxar e ser mais doce comigo mesma. Tenho uma espécie de mantra: “eu só posso fazer aquilo que eu posso fazer”, ou seja, dou o melhor de mim dentro das possibilidades do momento – e isso passa por questões mais concretas como orçamento e cronograma, mas também por pontos subjetivos como o que eu estou vivendo pessoalmente naquela fase. Questiono muito esse modelo de eficiência que normalizamos, onde os resultados estão acima de toda a complexidade de existir. Procuro muito ter esse olhar também em relação às pessoas que trabalham comigo e em algumas horas é preciso assumir uma carga maior sabendo que em outro momento alguém assumirá por você.
Você desenvolveu técnicas para lidar com a procrastinação? Que conselhos sobre produtividade não funcionaram para você?
Eu não me forço a ser produtiva sempre. Comecei a vida autônoma em 2012 e lembro que, na época, uma amiga comentou que eu havia virado uma funcionária de mim mesma, sempre com muitas metas e cobranças. Isso foi um ponto para que eu questionasse o modelo de trabalho que pretendia seguir. Hoje eu calculo o que preciso entregar, em qual prazo e monto um cronograma. Se tenho um volume muito grande de trabalho, crio um ambiente propício a isso: faço café, tranco o escritório, acendo um incenso. Se o volume de trabalho é manejável e eu não estou disposta a me concentrar nele, saio de casa, vou à praia, ao cinema, almoço em algum lugar que eu goste. A minha maior técnica é a pressão do “precisa ser feito”. Nunca procurei outros meios de produtividade e confio muito nesses breaks como impulsionadores criativos. É preciso saber ter calma.
Qual é o livro que mais mudou a sua vida e por quê? O que você considera inspirador ler ou aprender sem que lhe peçam ou esperem isso de você?
Tem dois livros que guardo com muito carinho: Paula, da Isabel Allende, e Memórias de uma moça bem comportada, da Simone de Beauvoir. Os dois têm muita sensibilidade e tratam da urgência da vida de uma forma que te faz pensar em tudo. Especialmente o da Simone tem uma passagem que levo comigo para qualquer desafio. Ela lembra da primeira exposição que fez na Sorbonne, do medo que sentiu por ser mulher em um ambiente predominantemente masculino e do conselho que ouviu do pai: “fique calma, eles têm tanto medo quanto você”.
Que conselho você queria ter ouvido aos vinte anos? Com o que você sabe hoje, se tivesse que começar novamente, o que você faria de diferente?
Eu queria ter acreditado em todas as vezes que me disseram que eu não precisava ter pressa. Eu não me arrependo de nada, mas acredito que tenha vivido períodos de uma ansiedade desnecessária. Hoje eu vejo que é possível modificar a rota e realizar grandes ideias aos 30, aos 40, aos 60 e que essa cultura de urgência muitas vezes sufoca as nossas verdadeiras vontades. É isso: viva o seu tempo, não é preciso correr tanto.
Que projeto você gostaria de fazer, mas ainda não começou? Que livro você gostaria de ler e ele ainda não existe?
Eu quero cada vez me aproximar mais da arte, produzir dentro dessa área e facilitar o acesso de conteúdo a um número maior de pessoas, fomentar iniciativas que eu acredito dentro dessa lógica. Quero também desacelerar, entender como permanecer dentro do sistema dependendo menos dele. Se tiver um livro que me oriente sobre isso tudo, sobre como subverter a ordem dominante, eu estou pronta pra leitura.